pai, que saudade eu sinto
mas não me arrependo
de ter me dado novas asas
no lugar daquelas
que você cortou.

a minha história

agora eu sinto

como se meu coração

tivesse parado de bater.

cada parte dele

grita desacordado

são péssimos dias de primavera...

minha mente parece uma fita:

rebobinando cada momento

e se pergunta

e me pergunto

por que?

por quê acabou eu não sei

mas a história se repete

é o que dizem historiadores

como eu.

anseios

hoje eu só queria que a vida
acabasse num barranco
pra eu morrer encostada,
como diria minha avó.

quero que o sol não se ponha
porque estou voltando pra casa
e aqueles homens,
eles não param de olhar pra mim.

tiro a minha roupa
e tudo o que sinto é cansaço
aquém da alegria
por estar livre. mas livre do que?

e o que me mantém em pé
é minha vontade de lutar
mas quando ela for embora
por que ficarei acordada?

uma nota de repúdio

hoje me vejo
sem pé nem cabeça
virando meus olhos
de um lado pro outro
pra não ter que dizer
bom dia.

hoje me vejo
de fones de ouvido
sem música alguma
fingindo ouvir
pra não ter que dizer
boa tarde.

hoje me vejo
deitada na cama
nem tirei o pijama
pois não vou sair
pra não ter que ouvir
tudo bem com você?

hoje me vejo
me olhando no espelho
repulsa eu tenho
pois eu me tornei
alguém que um dia
jurei não ser.

a minha dor
tem sabor
de tabaco.

receita

sou feita de verso e prosa
como um pássaro cujas asas foram cortadas
e aprendeu a cantar
para não morrer.

te trago, num só trago
pra perto
de mim.

de ares

sou aquário
o leão é vaidoso demais
para se deixar molhar

carnaval

pensei ser orquídea
mesmo depois de secarem as flores
todo ano na mesma época
eu florescia por você.

perpétuo socorro

me falta ar
eu não reconheço mais quem sou
as palavras rudes que tomam conta do meu vocabulário
não precisam mais ser pensadas para serem ditas

o que carrego em meus olhos
eu já nem sei
meu peito está trancado e algo quer sair
me dói

meus pés correm
na direção contrária ao meu corpo
e quando me vejo
não saí de mim

me sinto vazia
transbordando o ar
que não respiro

minhas mãos pedem para serem seguradas
mas meus dedos estão tão frios
sorrio sozinha
esperando a hora de me encontrar

paro frente ao espelho
e não gosto do que vejo
maquio meus olhos
este será um grande dia

visto meu vestido azul
pois agora é hora de brilhar
não quero que lá no céu
a verdadeira lua me ofusque

deixe-me deitar
essa minha vaidade vai roubar
toda a cena da minha dor

e quando eu me for
será uma saída perfeita
honrarei a atriz que fui e sou
e serei para sempre
o grand finale.